"A política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis tempos" (Jacques Rancière, A partilha do sensível)
"Ei Sarney, vai tomar no cu" no Rock in Rio. Um triste samba-enredo para São Luís, feito pela Beija-Flor de Nilópolis. Esses dois episódios oscilantes entre música e política apareceram e reverberaram, cada um do seu modo. A vantagem de esperar é ver o que segue em associações.
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A música veio com o comentário do vocalista da banda Capital Inicial, Dinho Ouro Preto:
“Todos são iguais, a regra básica é: nunca confie num político. Essa aqui é para as oligarquias que parecem ainda governar o Brasil, que conseguem deixar os grandes jornais censurados (…) Essa aqui é para o congresso brasileiro, essa aqui é em especial para o José Sarney". A trilha era "Que país é este", da "legião" "urbana".
Mas certamente não foi apenas essa frase que impulsionou as mais de cem mil pessoas ali presentes. Não vi ao vivo, nem de lá, nem do sofá, mas o youtube é o suficiente. Impossível saber de onde veio, a frase saiu durante o solo da banda e se fez audível.
[Qual seu tipo de revolução?]
Congresso, Sarney, Maranhão, São Luís, agora em ritmo de samba. 8 milhões de patrocínio dado pelo governo de Roseana Sarney, através da sua Secretaria de "cultura", para a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis. A escola que é conhecida por ser uma grande campeã vai defender o enredo com o tema "São Luís, poema encantado do Maranhão", um verdadeiro samba do crioulo doido.
Certamente quem é da cidade nunca ouviu ninguém falar "Meu São Luís". O afeto é tão falso que nem acertou o pronome; mas era de se esperar depois de versos tão desconexos, distantes de uma lembrança qualquer da ilha que não fosse apenas imagens-palavras-clichês amontoados.
Tem magia em cada palmeira que brota em seu chão
O homem nativo da terra
Resiste em bravura
A dor da invasão
Do mar vêm três coroas
Irmão seu olhar mareja
No balanço da maré
A maldade não tem fé sangrando os mares
Mensageiro da dor
Liberdade roubou dos meus lugares
Rompendo grilhões, em busca da paz
Na força dos meus ancestrais
Na Casa Nagô a luz de Xangô axé
Mina Jêje em ritual de fé
Chegou de Daomé, chegou de Abeokutá
Toda magia do Vodun e do Orixá
Ê rainha o bumba-meu-boi vem de lá
Eu quero ver o Cazumbá, sem a serpente acordar
Hoje a minha lágrima transborda todo mar
Fonte que a saudade não secou
Ó Ana assombração na carruagem
Os casarões são a imagem
Da história que o tempo guardou
No rádio o reggae do bom
Marrom é o tom da canção
Na terra da encantaria a arte do gênio João
Meu São Luís do Maranhão
Poema Encantado de Amor
Onde canta o sabiá
Hoje canta a Beija-Flor
Ninguém avisou que a serpente já acordou há muito tempo?